A Coisa - (Desconheço a autoria desta coisa) – Profª
Mariza – Sala de Leitura
A
palavra "coisa" é um Bombril do idioma. Tem mil e uma utilidades. É
aquele tipo de termo-muleta ao qual a gente recorre sempre que nos faltam
palavras para exprimir uma ideia. Coisas do português.
Gramaticalmente,
coisa pode ser substantivo, adjetivo, advérbio. Também pode ser verbo: o Houaiss
registra a forma "coisificar". “E no Nordeste há coisar”: "Ô seu
coisinha, você já coisou aquela coisa que eu mandei você coisar?".
Na
literatura, a coisa é coisa antiga. Antiga, mas modernista: Oswald de
Andrade escreveu a crônica "O Coisa" em 1943.
”A
Coisa" é título de romance de Stephen King.
Simone
de Beauvoir escreveu
"A Força das Coisas", e Michel Foucault, "As Palavras e
as Coisas."
Em
Minas Gerais, todas as coisas são chamadas de trem. Menos o trem, que lá é
chamado de "a coisa". A mãe está com a filha na estação, o trem se aproxima
e ela diz: "Minha filha, pega os trem que lá vem a coisa!".
Devido
lugar: "Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça...". A garota
de Ipanema era coisa de fechar o Rio de Janeiro.
"Mas se ela
voltar, se ela voltar / Que coisa linda / Que coisa louca." Coisas de Jobim
e de Vinicius, que sabiam das coisas.
Sampa
também tem dessas coisas (coisa de louco!), seja quando canta "Alguma
coisa acontece no meu coração", de Caetano Veloso, ou quando vê o
Show de Calouros, do Silvio Santos (que é coisa nossa).
Em
1997, a NASA lançou a Missão MarsPathfinder, enviando um robô para explorar
Marte. O mecanismo foi programado para ser acionado a partir do som de uma
música e a escolhida foi um samba de Jorge Aragão/Almir Guineto/Luís Carlos
da Vila. Assim, o robô da NASA, foi "acordado" com a música:
"Ô coisinha tão bonitinha do pai...". Lembram?
Coisa
não tem sexo: pode ser masculino ou feminino. Coisa-ruim é o capeta. Coisa boa
é a Juliana Paes. Nunca vi coisa assim!
Coisa
de cinema! "A Coisa" virou nome de filme de Hollywood, que tinha o
"seu Coisa" no recente Quarteto Fantástico. Extraído dos quadrinhos,
na TV o personagem ganhou também desenho animado, nos anos 70. E no programa “Casseta
e Planeta, Urgente!” Marcelo Madureira faz o personagem "Coisinha
de Jesus".
Coisa
também não tem tamanho. Na boca dos exagerados, "coisa nenhuma" vira
"coisíssima". Mas a coisa tem história na MPB. No II Festival da
Música Popular Brasileira, em 1966, estava na letra das duas vencedoras:
Disparada, de Geraldo Vandré: "Prepare seu coração / Pras coisas
que eu vou contar", e A Banda, de Chico Buarque: "Pra ver a banda passar / Cantando coisas de amor". Naquele
ano do festival, no entanto, a coisa estava preta (ou melhor, verde-oliva). E a
turma da Jovem Guarda não estava nem aí com as coisas: "Coisa linda /
Coisa que eu adoro".
Cheio das coisas. “As
mesmas coisas”, “Coisa bonita”, “Coisas do coração”, “Coisas que não se
esquece”, “Diga-me coisas bonitas’, “Tem coisas que a gente não tira do
coração”. Todas essas coisas são títulos de canções interpretadas por Roberto
Carlos, o rei das coisas. Como ele, uma geração da MPB era preocupada com
as coisas.
Para
Maria Bethânia, o diminutivo de coisa é uma questão de quantidade
afinal, "são tantas coisinhas miúdas".
"Todas
as Coisas e Eu" é título de CD de Gal. "Esse papo já tá
qualquer coisa... Já qualquer coisa
doida dentro mexe." Essa coisa doida é uma citação da música
"Qualquer Coisa", de Caetano, que canta também: "Alguma coisa
está fora da ordem."
Por
essas e por outras, é preciso colocar cada coisa no devido lugar. Uma coisa de
cada vez, é claro, pois uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa. E tal
coisa, e coisa e tal.
O
cheio de coisas é o indivíduo chato, pleno de não-me-toques. O cheio das
coisas, por sua vez, é o sujeito estribado. Gente fina é outra coisa.
Para
o pobre, a coisa está sempre feia: o salário-mínimo não dá pra coisa nenhuma.
A
coisa pública não funciona no Brasil. Desde os tempos de Cabral.
Político quando está na oposição é uma coisa, mas, quando assume o poder, a
coisa muda de figura. Quando se elege, o eleitor pensa: Agora a coisa vai.
Coisa nenhuma! A coisa fica na mesma. Uma coisa é falar; outra é fazer. Coisa
feia! O eleitor já está cheio dessas coisas!
Se
você aceita qualquer coisa, logo se torna um coisa qualquer, um coisa-à-toa.
Numa crítica feroz a esse estado de coisas, no poema "Eu, Etiqueta", Drummond
radicaliza: "Meu nome novo é coisa. Eu sou a coisa, coisamente." E,
no verso do poeta, coisa vira "cousa".
Se
as pessoas foram feitas para ser amadas e as coisas, para serem usadas, por que
então nós amamos tanto as coisas e usamos tanto as pessoas?
Bote
uma coisa na cabeça: as melhores coisas da vida não são coisas. Há coisas que o
dinheiro não compra: paz, saúde, alegria e outras cositas más.
Mas,
"deixemos de coisa, cuidemos da vida, senão chega a morte ou coisa
parecida", cantarola Fagner em Canteiros, baseado no poema Marcha,
de Cecília Meireles, uma coisa linda.
Por
isso, faça a coisa certa e não esqueça o grande mandamento: Amarás a Deus sobre
todas as coisas.
Entendeu
o espírito da coisa?
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